O grito foi agudo e
horrendo, vinha de dentro da loja de conveniências.
Noite de Segunda-Feira,
25 de julho de 2016. Fernando havia acabado de estacionar o seu carro no posto
de gasolina, logo que chegou ao lugar percebeu que algo fora do normal estava
acontecendo; como ex-policial parecia ter desenvolvido uma espécie de sexto
sentido para saber quando algo muito ruim estava por acontecer. Ao sair do
carro olhou em volta longamente, não havia nenhum atendente trabalhando ali
para abastecer o seu veículo e isso, por si só, já era bastante estranho.
O posto era localizado
às margens da rodovia Presidente Dutra e àquela hora da noite poucos carros
estavam passando pela via. Fernando olhou para o seu relógio Casio colocado de
maneira invertida no pulso direito e constatou que já passava das 23 horas;
suas mãos tremiam um pouco e ele apertou uma contra a outra, respirou fundo e
fechou a porta do carro lentamente. Caminhou na direção da bomba de combustível
e antes que pudesse alcançar a mangueira, ouviu o grito aterrorizado que veio
de dentro da loja de conveniências no fundo do posto.
Dez anos atrás, quando Fernando
ainda estava na polícia, ele foi envolvido em uma série de acontecimentos estranhos
que quase custou sua sanidade; a vida pacata que levava com sua esposa e filha
entrou em um turbilhão caótico que parecia querer arrastá-lo direto para o
inferno. Fernando, sua família e seu melhor amigo foram vítimas de criaturas
sinistras que pareciam saídas de um filme de terror absurdo, mas que
infelizmente eram reais; criaturas que o mundo do entretenimento e os filmes de
Hollywood chamavam de vampiros.
Um segundo grito ecoou
de dentro da loja de conveniências, um grito feminino desesperado por socorro,
seguido do som de coisas quebrando, vidros estilhaçando e uma terrível
cacofonia indistinta exceto por um som que Fernando preferia morrer a ouvir
novamente. Um som animalesco que ele ouvira dez anos antes quando ficou frente
a frente com o que ele considerava ser o diabo na forma humana. Um calafrio
percorreu sua coluna da base até a nuca e embora estivesse sentindo ligeiro
frio por causa do típico ar noturno de inverno, começou a suar.
Fernando andou devagar na
direção da entrada da pequena loja nos fundos do posto, lançou mão sua arma que
carregava todas as poucas vezes que saía de casa durante a noite ou sempre que
sabia que não seria capaz de voltar para casa antes do anoitecer. Fazia isso
havia dez anos e continuaria fazendo. A cada passo que dava sua cabeça
fervilhava com memórias emergindo de dez anos atrás, ele se lembrou do corpo
jogado contra o capô de seu antigo carro, lembrou-se das duas prostitutas que
na verdade não eram mulheres humanas, mas demônios em forma humana, vampiras
que o deixaram em estado de coma profundo a “poucos centímetros da morte”;
lembrou-se de quando sua antiga casa foi invadida durante a madrugada por três
pessoas que na verdade já estavam mortas fazia tempos e que quase devoraram sua
família aos gritos diante dele, por fim, se lembrava da fatídica noite sem lua
em que ficou frente a frente com a criatura que parecia comandar aquela legião
infernal. Havia sido um milagre ter sobrevivido a tantas desventuras insólitas;
à época ele lutou desesperadamente por sua vida, não estava pronto para passar
por algo semelhante e talvez nunca estivesse. Ninguém nunca está pronto para
algo assim.
Empurrou a porta de
vidro da pequena loja e olhou lá dentro na medida que o ângulo de visão
permitia; ouviu uma voz feminina sussurrando num tom que perdia a força
rapidamente; dizia:
_Não!... Não!...Não!
A voz se calou e Fernando
temeu que a mulher tivesse morrido. Com a arma na mão ele entrou sem fazer
barulho, sem saber o que ia encontrar lá dentro e sem saber também por que
tinha escolhido entrar naquela armadilha ao invés de voltar para o carro e
fugir dali.
O lugar estava
completamente destruído, havia sinais de confronto corporal por toda parte, as gôndolas
e prateleiras estavam pelo chão onde também jaziam todo tipo de produtos. Num
canto do lado direito estava uma pessoa caída e desacordada, pelo uniforme que
usava deveria ser o atendente das bombas de combustível; mais dois outros
funcionários estavam literalmente amontoados um sobre o outro atrás do balcão
de bebidas cujo vidro frontal estava quebrado e marcado de vermelho. Certamente
era sangue.
Fernando não percebeu
os olhos atentos e acesos parados nas sombras do outro lado do lugar, junto de uma porta
que provavelmente levava para a despensa ou algo do tipo. A criatura respirava de forma quase imperceptível, estava parada, completamente imóvel, e praticamente invisível aos olhos mortais; tinha a forma de um
homem, mas era um noctívago; e embora não fosse antigo já era capaz de manifestar certas disciplinas surreais. De repente um barulho chamou a atenção do homem
com a arma na mão:
_Socorro!_ O sussurro quase
não foi ouvido, mas ele conseguiu escutar e se voltou na direção de onde veio o
som.
Outra funcionária com o
rosto manchada pela maquiagem que se desfez por causa das lágrimas. A mulher
tinha os olhos arregalados de puro terror e tremia abaixada no canto esquerdo
do lugar.
Fernando colocou o dedo
indicador na frente da boca no característico sinal para que a vítima não
fizesse barulho, em seguida foi na direção dela. Falando o mais baixo que
conseguiu, ele perguntou:
_ Quem fez isso ainda
está aqui?
A mulher balançou a
cabeça afirmativamente. Fernando perguntou novamente:
_Onde?
A mulher balançou a
cabeça de forma negativa, indicando não saber.
Quando ele se
aproximava dela outro som veio de suas costas e num movimento instintivo
Fernando se virou com a arma em punho e atirou logo que viu o homem que vinha
em sua direção. Dois disparos que fizeram a criatura recuar.
Fernando gritou para a
mulher:
_Sai daqui agora! Vai lá
pra fora!
Também no instinto de
salvar a própria vida a mulher correu saindo pela porta.
O homem alvejado não
chegou a cair; a face ficou deformada pela ira de modo que os olhos acesos e os dentes alongados ficaram a mostra; ele avançou novamente. Outras lembranças do passado
inundaram sua mente naquele exato momento e o medo ganhou mais força em sua
alma. Fernando disparou mais uma vez sem saber ao certo onde o acertou, apenas
percebeu que o outro havia caído e aquilo deu o tempo suficiente para sair
correndo de dentro da loja.
Do lado de fora a
mulher chorava sem saber para que lado correr, estava terrivelmente confusa; Fernando
passou por ela e arrastando-a pelo braço; jogou-a dentro de seu carro.
_ Entra logo!_ gritou
para ela que ainda tentava compreender tudo o que estava acontecendo.
A criatura saiu pela
porta cambaleando e rosnou como um cão horripilantemente feroz. Fernando já
tinha ligado o carro e saiu em disparada acelerando o mais que conseguiu, a
mulher chorava no banco ao seu lado, ainda tremendo. Ao olhar pelo espelho
retrovisor Fernando esperava ver a criatura correndo atrás do carro, mas não
aconteceu e ainda lutando contra suas memórias ele ouviu a mulher perguntar:
_ O que era aquilo?
Só naquele momento
Fernando percebeu que a arma ainda estava na sua mão esquerda e que ele estava
tremendo bastante enquanto guiava o carro. Colocou a arma sobre as coxas e
finalmente respondeu:
_Aquilo era um vampiro.
_Não se importava se a mulher ia acreditar, mas certamente ela iria.
Novamente Fernando
havia sobrevivido a um encontro com uma criatura das sombras; quantas pessoas no mundo podiam dizer isso? Provavelmente pouquíssimas. E as lembranças repletas de fantasmas do
passado voltaram para assombrar sua mente.
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