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A doença de Évora



Ela levantou-se da cama com dificuldade, olhou para o relógio digital de cabeceira. 14:00hs.
A última noite foi a pior de toda a sua vida; teve febre intensa e ainda estava. O suor frio molhava-lhe não só o rosto como também parte da blusa. Tinha se enterrado sob lençóis pesados porque sentiu frio durante toda a madrugada e obviamente devia estar muito fraca, pois nunca na vida tinha dormido até tão tarde, nem mesmo nos dias posteriores as suas noitadas mais longas.
A cabeça incomodava com uma dor persistente e violenta que apertava sua testa e têmporas, e os olhos ardiam por causa da claridade que entrava pela janela. Como se não bastasse, uma tontura nauseante ainda fazia com que todo o quarto rodasse vertiginosamente fazendo com que o estômago dela se revoltasse em reviravoltas.
O corpo pesava terrivelmente e foi uma dificuldade gigantesca se erguer da cama. Teve que esperar alguns minutos até que a tonteira diminuísse, e em seguida empurrar a vontade de vomitar, garganta abaixo, novamente para dentro do estômago.
Levantou a cabeça e respirou, mas o ar pareceu ferir suas narinas na medida que era aspirado, tinha um odor acido, quase metálico; o líquido quente e especo surgiu e melou seu nariz, escorrendo rapidamente em direção a boca, felizmente não era muito. Mas era sangue.
Passou a mão sobre o nariz e limpou o sangue que não continuou a cair, mas com isso sua face ficou suja com um pouco de vermelho escuro.
“Preciso lavar o rosto”_ pensou.
Tentou andar em direção ao banheiro, mas no primeiro momento as pernas falharam; teve de aguardar mais um minuto até ter firmeza de movimentos; além disso, ela se deu conta novamente de que o sol que entrava pela larga janela de seu quarto estava contribuindo sobremaneira para sua dor de cabeça. Seus olhos estavam muito incomodados com a claridade, a ponto de lacrimejarem, parte por causa da luz, parte por causa da dor.

Finamente conseguiu andar pelo quarto, mas foi preciso estreitar os olhos o máximo possível para ser menos incomodado pelo sol. Fechou as cortinas rapidamente; sentiu o corpo formigar e queimar quando se aproximou da janela e recebeu uma maior quantidade de luz; os pulmões doeram pelo esforço que fez para respirar, teve medo de sangrar novamente pelo nariz, mas não aconteceu.
_ O que está acontecendo?_ Pensou em voz alta._ Fiquei doente!?_ Embora ela tivesse a certeza de que estava doente, não poderia nunca imaginar do que se tratava.

Tomou a temperatura do pescoço com as costas das mãos e em seguida fez o mesmo na testa com a mão esquerda; estava muito quente. Sem a luz do sol para incomodá-la conseguiu caminhar novamente pelo quarto e se apoiando nas paredes para não cair, foi até o banheiro. No caminho viu suas roupas sobre uma cadeira; roupas que tinha usado no dia anterior quando desembarcou no Rio de Janeiro vindo de uma viagem que fez aos Estados Unidos, mais precisamente à Flórida, na cidade de Miami; lá ouvira rumores enquanto aguardava o vôo de que algo estranho estava acontecendo, viu muitas autoridades da agência norte americana de saúde, assim como policiais e até agentes do FBI; eles falavam sobre uma espécie de epidemia que se espalhava rapidamente no México e estavam orientando pessoas a não viajar para aquele país. De igual modo abordavam todos os que chegavam de lá faziam perguntas estranhas; pareciam estar procurando pessoas com alguns sintomas específicos ou algo do gênero, mas ela embarcou para o Brasil sem qualquer problema.

Continuou andando até chegar no banheiro, os músculos reclamaram e ela se apoiou na pia frente a frente com o espelho.
Abriu a torneira e deixou a água cair por alguns instantes antes de pôr as mãos em concha aparando-a e levando até o rosto. Depois, abriu o armário embutido por trás do espelho e dele retirou um pequeno termômetro digital, colocou na boca e aguardou. Os olhos ardiam muito e pareciam estar adquirindo uma tonalidade acinzentada.
O aparelho emitiu um barulhinho, mostrando que já havia cumprido seu propósito; no pequeno visor mostrava trinta e nove graus. A febre não parava de aumentar.
Uma dor aguda nascia em seus pulmões e a dificuldade de respirar se tornava cada vez mais acentuada; teve de puxar o ar para dentro do peito com a boca, porque somente com o nariz já não conseguia.
Tossiu violentamente num rompante que lhe roubou todo o ar dos pulmões, o corpo reclamou ainda mais por conta daquele esforço e a fraqueza foi imediata, teve que reunir o pouco de força que ainda tinha para se segurar a pia, mas a tosse não parou. Ela tossiu até ficar de joelhos no chão do banheiro, a cabeça rodou ainda mais; o mundo parecia ter aumentado a velocidade de seus giros e a vertigem daquela sensação começou a vencê-la.
Tonteira, tosse, dor aguda na cabeça, dor no peito e em praticamente todos os músculos do corpo, uma forte ardência na garganta que ela julgava ser pelo esforço da mesma durante os violentos acessos de tosse e uma queimação crescente na pele. Ela começou a ficar desesperada, mas não sabia o que fazer.

Em pouco tempo ela desabou por completo no chão frio do banheiro, não teve forças para desligar a água que caía na pia até que esta encheu e transbordou sobre a moça sem sentidos deitada em posição fetal, e ficou ali, se desperdiçando, inundando todo o lugar como uma “enxurrada controlada”.


Passou-se tempo, o dia virou noite, voltou a ser dia e virou noite novamente; quando ela finalmente se levantou, dias depois de perder completamente os sentidos já não era a mesma mulher de antes, na verdade não era nem mesmo a mesma criatura de antes, não era mais humana. Seu corpo estava frio como o de um cadáver, sua pele pálida como o mármore, seus olhos ostentavam um leve brilho prateado; havia um hematoma arroxeado em seu pescoço deixando claro duas pequenas perfurações; o coração batia em um ritmo muito fraco, havia um fino filete de sangue que manchava seu rosto desde o canto da boca até o queixo e seus dentes tinham se alongado um pouco mais do que o normal, e o pior de tudo era a terrível sensação brutal de fome.

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