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Um estranho na janela


Tum...Tum...Tum...
O barulho insistente e repetitivo se irradiou pelo quarto de Pauline, ela estava dormindo, havia se deitado cedo, estava cansada e já não aquentava mais ficar tentando disfarçar o sono; pensou em ligar o computador, navegar um pouco na Internet, mas certamente aquilo lhe tomaria muito tempo da noite e o sono estava pesando cada minuto mais em suas pálpebras. Achou por bem dormir.
Porém, agora estava sendo chamada das regiões oníricas de volta para a realidade noturna e acordou devagar, ainda sentindo o peso do cansaço no corpo; fora retirada de um sonho; um sonho estranho e absolutamente “sui generis”, mas as lembranças do mesmo a estavam abandonando tão rápido quanto água escorrendo pelos dedos.
Ela olhou ao redor, o quarto parcialmente às escuras, um pouco de claridade entrava por uma porta entreaberta que dava para o corredor de sua casa; os pais eram praticamente obrigados a deixar aquela luz acesa porque o irmão menor da adolescente dormia no quarto no fim do corredor e como toda criança pequena morria de medo do escuro, o jovenzinho sofria daquelas clássicas alucinações de monstros no armário ou embaixo da cama e Pauline não podia fechar nem trancar a porta do seu quarto por ordem da mãe que a obrigava a correr para o quarto do irmão toda vez que ele chorava ou gritava de medo durante a noite. Os pais dormiam no quarto mais afastado, do outro lado do apartamento, e com isso conseguiam um pouco mais de privacidade sem a preocupação de ter um menino entrando abruptamente todas as noites no quarto deles e dormindo entre os dois, o que era tolerado no começo, mas que agora já não mais suportado.
Tum...Tum...
Pauline ainda meio atordoada por acordar tão de repente ainda tentava se situar, não conseguia discernir de onde vinha o barulho, mas era alto o suficiente para que ela escutasse e baixo o suficiente para que só ela escutasse.
Sentou-se na cama; o ventilador ligado balançando a parte móvel para a direita e para a esquerda, como uma sentinela que observasse o cômodo de um lado ao outro, soprava uma gostosa brisa mesmo com o ar um pouco carregado naquele quarto trancado cujas janelas estavam fechadas e a própria respiração da moça pairava no ar.
As cortinas dançavam quando tocadas pelo vento produzido pelas pás giratórias e o barulho produzido pelo aparelho não era o suficiente para sobrepujar o outro. Ela pensou em levantar e ir ao quarto do irmão, talvez ele estivesse fazendo alguma traquinagem a fim de espantar os “monstros” da madrugada.
Algo dentro dela estremeceu, lembranças do sonho. Nele, ela conversava com alguém, alguém que era ao mesmo tempo conhecido e desconhecido e esta pessoa lhe fazia um pedido insistentemente, pedido esse que ela não recordava.
Olhou para o lado das cortinas novamente, pensou em abrir as janelas escondidas, encobertas pelas cortinas dançantes; ora, estava no sétimo andar de um prédio de apartamentos, geralmente ventava naquela altura, mas novamente ela esbarrava na proibição moral dos pais que não a deixavam abrir a janela durante a madrugada, não havia nenhuma proteção externa, nem tela nem grades, porém por duas vezes ela o fez. Abriu a janela no meio da noite e em uma dessas ocasiões adormeceu, no dia seguinte foi acordada com um baita sermão da mãe.
Estava indecisa e o barulho não havia cessado.
Tum...
“Caramba!” _ Pensou ela _ “O que é isso?”.
Finalmente a narcose passageira do sono estava dando lugar à lucidez completa da realidade, foi então que ela percebeu de onde vinha o barulho.
Levantou da cama, a camisola que usava também esvoaçou ao sabor do vento sem ímpeto do ventilador. Pauline estava curiosa e outro retalho do sonho lhe veio à memória.
Seu conhecido desconhecido, a pessoa que falava com ela no sonho insistia no pedido e dizia que a estava visitando com a melhor das intenções, dizia que só queria conversar um pouco, colocar o assunto em dia, falar de coisas variadas e mostra uma coisa importante para ela. Ele insistia no pedido, mas ela não se recordava que pedido.
Tum...
Voltou das memórias do sono com o barulho novamente. Ela deu um passo trôpego, seus olhos vislumbravam algo estranho; uma sombra por detrás das cortinas e era dali também que vinha o barulho.
Pauline olhou ao redor, olhou para seu armário apinhado de coisas, pensou em pegar uma lanterna, pois não queria acender a luz do quarto, teve medo. Uma lanterna era mais confiável. A menina percebeu que estava suando, pouco, mas suando.
O barulho reapareceu mais duas vezes e parou quando ela deu mais um passo para frente em direção as cortinas.
Tum...Tum.
Um vulto escuro estava atrás da cortina, mas não dentro do quarto. Estava do lado de fora, mas o que seria aquilo afinal?
Lembrou finalmente de mais uma parte do sonho, lembrou de algumas das palavras que a outra pessoa disse para ela.
“Puxe a cortina” _ dizia o outro no sonho. Era uma voz doce, bondosa e extremamente tranqüila, muito convidativa e insinuadora.
Ela agora estava totalmente amedrontada, ali parada observando aquele vulto parado na janela do sétimo andar, não havia varanda por fora. O medo eriçou os cabelos de sua nuca e em seguida todo o corpo dela reagiu encrespando-se, mas algo estava diferente.
Mesmo com o medo se tornando algo mais intenso ela não conseguia recuar, queria saber o que estava ali, mas não compreendia o motivo de querer tal coisa, era como se estivesse perdendo parte de sua vontade; sentia-se morbidamente atraída.
Deu mais um passo á frente, as cortinas agora estavam ao alcance das mãos. Pauline empertigou-se. “Ouviu” quase que audívelmente aquela voz falando novamente em sua cabeça, numa espécie de resquício do sonho.
“Venha, converse comigo. Não tenho com quem conversar faz muito tempo”.
Mesmo contra a vontade ela agarrou a cortina com uma das mãos e puxou, afastando devagar e revelando a janela de vidro por trás. Uma pessoa permanecia parada do outro lado, um homem, mas ela não o conhecia.
O estranho bateu com uma das mãos no vidro e o barulho que a retirou do sono se fez ouvir novamente.
Tum.
Uma mão com dedos longos e unhas grandes, mas ela nem percebera.
Ela sentia-se confortável, e ao olhar para o homem do outro lado foi como se o medo lhe fosse tirado instantaneamente; havia ternura naqueles olhos. O homem possuía esses olhos grandes e escuros que contrastavam totalmente com a tonalidade da pele que era de um branco mármore de Carrara; os cabelos negros desgrenhados emoldurando o rosto que parecia uma máscara de feições finas.
_ Deixe-me entrar Pauline. _ Pediu.
A voz dele era tão convidativa que ela nem percebeu que ele já sabia o seu nome, tampouco percebeu o tom voluptuoso na fala mansa do outro.
_ Me deixe entrar_ falou novamente o estranho na janela.
_O que você quer? _ finalmente falou ela meio abobada.
Ele estava tão próximo do vidro que ela podia ver a respiração do outro embasando parte da vidraça.
_ Estou com fome.
_Você quer comida? _ Perguntou a moça.
_ E quero você.
Ele fez menção de rir, mas seu rosto não foi capaz de transmitir expressão alguma, era como uma caricatura mal feita de uma face humana.
Ela quis desviar o olhar para não ver aquele rosto insano, mas não conseguiu; sua vontade estava presa. Ele ao rir desfez o rosto fino e bem apresentado e demonstrou rugas como de um homem de mais de noventa anos, porém aquela careta logo desapareceu e ele recobrou a face anterior.
Quando riu, o estranho, deixou a mostra seus dentes finos e longos rodeados por uma boca repleta de outros dentes menores, mas tão pontiagudos quanto os outros. Pauline não se apercebeu de nada disso, estava ocupada demais mexendo na tranca da janela.
_ Só mais um pouco. _ Ele disse.
A luz do quarto acendeu e a voz do pai de Pauline apareceu em seguida.
_ O que está fazendo aí? _ perguntou ele.
Ela olhou para ele e piscou algumas vezes, balançou a cabeça e disse balbuciando:
_ Não sei._ O encanto estava se quebrando.
_ Quantas vezes sua mãe disse para não abrir a janela de madrugada?
A janela! Ela voltou o olhar para lá, mas não havia ninguém; olhou atentamente e por um momento pensou estar vendo o estranho translúcido bem em frente à janela, mas não era verdade, era só a mente dela trabalhando.
_Ouvi um barulho e vim ver o que era. _ resmungou ela.
_ Vá dormir disse o pai desligando a luz e saindo para verificar o quarto do irmão, mas deixando a porta do quarto totalmente aberta, banhando o aposento numa quantidade muito maior de luz vinda do corredor.
Do lado de fora o estranho a estava observando, não tinha ido embora, apenas escondera-se da luz, mas não molestaria mais a jovem naquela noite, tinha algo preparado para ela e desejava entregar em outra ocasião.

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