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O Invasor de mentes



A viatura policial parou no outro quarteirão, pois não havia lugar na rua de onde partiu o chamado; estava acontecendo uma espécie de festa em uma das casas próximas e duas fileiras de carros formaram-se, uma de cada lado da rua.
_ Tem certeza de que foi aqui nessa rua o chamado de invasão de domicílio?_ perguntou um dos policiais.
_ Sim_ respondeu o outro policial ao volante.
Os dois estavam passando pelas redondezas quando receberam um informe via rádio de que houve um arrombamento em uma das residências daquela bela rua. As casas em sua maioria eram grandes e muito bonitas, as pessoas que moravam ali possuíam um poder aquisitivo bem elevado se comparado com o padrão do restante do município.
Os dois policiais se colocaram a disposição de averiguar o acontecido antes do término de seu turno.
A casa é aquela_ disse um deles apontando para uma residência das mais bonitas da rua; ficava localizada afastada cerca de quatro ou cinco casas da que estava em festa, mas do outro lado da rua.
Quando voltaram a pé, pois a fila de carros impedia até o trânsito de veículos pela rua, o que diria parar perto do domicílio. Os dois homens da lei avistaram um outro homem parado junto ao portão da casa em questão.
_Os senhores devem ser os policiais que foram enviados para ver o que aconteceu na casa de meu irmão_ disse o homem estendendo a mão de forma bastante amigável.
Era um senhor negro de aproximadamente quarenta anos; vestido com calça jeans cujas bordas surradas estavam também desfiadas; usava uma camisa de tecido fino e cor roxa que parecia brilhar quando tocada pela luz, abotoada quase até o topo; sapatos de uma espécie de couro de animal, crocodilo ou cobra; no punho direito uma pulseira de um dourado vivo e um relógio muito bonito nas cores prata e ouro com pulseira de couro. Na mão esquerda trazia um anel no dedo mínimo, trabalhado em dourado com uma pedra grande em seu topo se destacando; pedra esta de cor púrpura; provavelmente uma ametista lapidada.
_ Sim_ respondeu um dos policiais_ Viemos para averiguar. O que aconteceu aqui?
_ Vim à casa de meu irmão para buscar alguns papeis de suma importância para nós,_ iniciou o homem_ mas quando cheguei aqui a casa estava aberta, meu irmão não está em casa e ao entrar percebi que tudo está fora do lugar, reviraram a casa.
_ Então o senhor ligou para a policia? _ o soldado quis saber.
_ Sim; quando entrei na casa tive uma sensação muito estranha, como se alguém estivesse me observando.
_ É possível que o invasor ainda esteja aí dentro. Há alguma saída pelos fundos?
O homem pensou um pouco e respondeu firmemente:
_ Não. Quero dizer, os muros nos fundo são por demais altos e possuem arame farpado em seu topo; ninguém poderia pular sem a ajuda de uma escada das grandes e além do mais a casa dos vizinhos de trás possuem segurança particular; seria como pular dentro de uma fogueira.
Sacando das armas, os policiais resolveram que deveriam fazer uma rápida busca dentro do domicílio.
_ Vamos entrar_ Disse um deles.
O homem que estava por dono do lugar na ausência de seu irmão os conduziu até a entrada da frente em cuja porta divisava com a sala. Sala esta que estava totalmente revirada, todas as coisas estavam jogadas pelo chão, quadros, pequenos bustos em mármore, livros, aparelhos eletro-eletrônicos; aparentemente o sofá havia sido arrastado, existiam algumas marcas de impacto nas paredes, como se algo pesado tivesse sido arremessado sobre ela; e no teto também. A grande televisão estava destruída e por fim algumas manchas do que parecia ser sangue no chão e no tapete.
_ Qual é o nome de seu irmão? _Perguntou o policial que ia à frente.
A resposta veio depois de um suspiro:
_ Gabriel.
_ E qual é o seu nom...
Antes de concluir a pergunta os três homens parados naquela sala revirada do avesso tiveram aquela sensação estranha e pensaram ter visto as sombras mudarem de lugar no corredor que estava às escuras ligando a sala a outro cômodo.
_ O que foi aquilo?_ Perguntou visivelmente trêmulo o “dono da casa”.
O policial destravou a arma.
_ Parece que não estamos sozinhos aqui. _ disse o primeiro.
_Atenção! É a policia, saia com as mãos para cima! _ acompanhou o segundo apontando a arma rumo ao corredor escuro.
Um silêncio mortal e ensurdecedor estava pairando sobre aquela sala, a música festiva que havia a cinco casas descendo a rua não penetrava ali. Não houve resposta alguma por parte do suposto invasor que estava dentro do imóvel.
_ Cara isso é um tanto quanto estranho_ disse o “dono da casa”_ não é melhor chamar reforço?
O policial normalmente teria a idéia de chamar reforço, mas não queria correr o risco de não ser nada, ou seja, não queria correr o risco de o invasor já não estar mais na casa, e, com a ajuda de outros policiais descobrir que estava com medo apenas de um punhado de sombras. Isso Certamente seria desastroso para sua carreira.
Já o segundo policial estava sentindo aquela sensação de novo, ele podia jurar que de dentro daquelas sombras no corredor, estava alguma coisa que emanava maldade e queria de alguma forma atingi-los.
O dono da casa rompeu com o silêncio fazendo uma pergunta:
_ O que são aqueles furos na parede?
Um dos policiais se aproximou dos pequenos buracos na parede e constatou que se tratava de orifícios feitos a bala.
_ Alguém disparou uma arma aqui nessa sala_ disse_ e tudo indica que ouve luta no local, por isso os móveis estão todos fora de lugar.
_Luta!?_ O dono da casa aparentemente não compreendia o que estava ocorrendo ali_ Você quer dizer que o invasor lutou aqui com alguém?
O policial meneou a cabeça positivamente antes de responder.
_ Fiquem atentos, pois pode ser que não fosse apenas um invasor e sim mais de um, talvez eles tenham encontrado algo de muito valor e isso deu início a um desentendimento.
A sensação retornou; como uma leve pressão na mente; eles quase podiam ouvir uma voz que dizia que algo essencialmente maldoso estava os esperando naquela casa. Mas na verdade os policiais não podiam se dobrar diante de medos infantis; quem em uma situação de estresse como aquela não seria remetido aos seus medos antigos de quando criança; já tinham passado por situações semelhantes e até piores do que aquela e isso acontecia sempre; as sombras pareciam mais maldosas do que realmente eram, o silêncio parecia mais poderoso do que efetivamente estava.
_ Vamos averiguar nos outros cômodos._ disse o primeiro policial tomando a dianteira.
_ O senhor tem certeza de que isso é prudente?_ perguntou o trêmulo “dono da casa”.
_ Fique atrás de mim_ falou o segundo policial.
Juntos, atentos e em fila indiana os três seguiram da sala para dentro das sombras do corredor; tateando a parede rapidamente o “dono da casa” encontrou o interruptor e ascendeu a luz; junto ao interruptor havia uma escada que levava ao andar superior e do outro lado, na outra parede do corredor estava um enorme espelho que tomava toda a parede e refletia-os de corpo inteiro.
Os policiais acharam aquilo estranho, mas gente com dinheiro sobrando geralmente é estranha.
_ Uma parede de espelho!?_ Disse um deles.
Prosseguiram e foram até a cozinha, onde as coisas estavam intocadas, não havia nada fora do lugar naquele cômodo; fizeram uma rápida busca, mas não havia indícios de que o invasor tivesse se apoderado de algo ali. Voltaram pelo corredor com o espelho e tomaram a escada para o andar de cima; no meio do lance de escadas um novo barulho estranho surgiu, algo como uma porta rangendo.
_ É a porta do escritório_ disse o “dono da casa” tentando acalmar os outros.
_ O que exatamente você veio buscar aqui para o seu irmão? _perguntou o policial que estava na frente.
_ O laptop, tem alguns arquivos, planilhas e coisas do gênero que são muito importantes para o nosso negócio.
_Vocês são empresários?_ perguntou o outro policial. Isso explicaria o alto padrão de vida.
_ Digamos que temos bons negócios.
Chegaram ao outro andar, e guiados pelo “dono da residência” foram até o escritório; lá encontraram nada mais do que uma pequena mesa próxima de uma confortável poltrona estofada na cor vermelho escuro, as paredes possuíam estantes apinhadas de livros; sobre a mesinha estava uma garrafa contendo um líquido pela metade e ao lado da garrafa um manuscrito confeccionado com uma caligrafia extremamente bem trabalhada. Ele dizia:
“Aos irmãos. Escrevo à mesa de Mesquita dizendo que não farei parte da aliança, não me importo com os lincantropos, e os anjos têm mais com o que se preocupar do que com um grupo miserável de noctívagos que pensa ter controle sobre este município. Digam a Cícero que Gabriel jamais vai se dobrar diante dele e tampouco a Dominic ou Alex crianom; todos vocês me enojam por não confrontarem os homens, não me importa, eu o farei”.
Era um trecho muito estranho, mas o policial continuava lendo enquanto o dono da casa procurava algo em meio aos livros na estante e o outro policial averiguava o que parecia ser marcas de novos disparos junto a uma janela cuja armação estava retorcida.
O segundo trecho dizia o seguinte:
“Não me associarei a mortais como Agamenom nem a outros seres como Gael; por hora vou dar cabo dos policiais que se uniram ao padre e depois voltarei minha ira sobre vocês; mas principalmente contra Cícero”
Havia mais coisas escritas, mas estava em outro idioma e o policial não soube discernir.
_ Seu irmão era algum tipo de escritor de ficção nas horas vagas?_ Perguntou o que estava lendo.
_Não tenho certeza._respondeu.
O “dono da casa” se apoderou de alguns livros e finalmente encontrou o laptop.
O policial que visualizava a janela olhou de repente para uma das prateleiras da estante sobre a qual estava colocada uma foto de um homem branco ao lado de duas mulheres, uma ruiva e uma morena.
_ Já encontrei o computador._ disse o “dono da casa”.
O policial aproveitou o ensejo para perguntar:
_ Quem são aquelas pessoas na foto?
O outro policial também olhou a foto com nítida curiosidade.
_Oh! Sim, aquele é Gabriel e as belas mulheres são suas namoradas, Monique e Melissa.
Algo não estava se encaixando, Gabriel não era o nome do irmão dele? Como um poderia ser negro e o outro caucasiano?
_ O senhor não disse que seu irmão se chama Gabriel, como vocês podem ter tons de pele diferente? São irmãos por parte de pai? Ou adotivos?
_Não, Gabriel nasceu na Alemanha e eu no Brasil; somos irmãos porque pertencemos à mesma irmandade.
Aquela conversa estava começando a ficar mais insólita a cada minuto; mas que conversa era aquela de irmandade.
O policial que avistou a foto, intrigado perguntou:
_ Qual é o seu nome senhor?
O “dono da casa” respondeu tranqüilamente, mas sua resposta incomodou o outro policial que tinha lido os pequenos trechos do manuscrito.
_ Eu me chamo Cícero.
Cícero, o nome que estava descrito como claro desafeto de Gabriel, o verdadeiro dono da casa.
_Você leu o que estava escrito ai neste papel. Não leu?_ perguntou Cícero.
A sensação estranha voltou, agora muito mais forte do que antes; parecia que algo extremamente ruim pairava sobre as cabeças deles, mas obviamente Cícero não estava sentindo, na verdade por um momento o policial chegou a pensar que aquela sensação estivesse partindo daquele homem.
_ Mas então não houve invasão desse domicílio?
Uma dor de cabeça começou a se insinuar simultaneamente nos homens da lei enquanto eles ouviram as palavras daquele que os enganou perfeitamente.
_ Houve sim uma invasão; eu sou o invasor aqui. Gabriel morreu, e eu ouvi dizer que foram dois policiais que deram cabo daquele ser desprezível; resolvi verificar, liguei para a polícia e fiquei aqui esperando na esperança de que fossem enviados os mesmos homens que o derrubaram. Mas obviamente para minha frustração, vocês não sabem de nada.
A essa altura ambos os policiais já apontavam suas armas na direção de Cícero que continuou a falar tão calmamente como se as armas não representassem perigo algum para sua vida.
_Eu sinto muito; dizem que o conhecimento é uma dádiva, mas infelizmente para vocês não será; agora vocês já sabem mais do que outros homens saberão em cem anos de vida e por isso devem perecer ou vão se tornar caçadores em potencial. Se vocês fossem para o céu, então isso aqui não importaria muito, mas eu já olhei suas mentes e creio que para o lugar aonde vão todas as suas dúvidas serão respondidas e não será nem um pouco agradável.
No momento em que disse aquilo, a garrafa de bebida sobre a mesa saltou como se um fantasma a tivesse jogado sobre um deles, a luz do cômodo se apagou como que por mágica e a silhueta de Cícero na escuridão do escritório contra a luz vinda do corredor que desembocava na escada era algo medonho; seus olhos emanavam um brilho frio como os olhos de um gato nas sombras quando confrontado por alguma luz, e era como se a aparência humana simpática de outrora houvesse se desfigurado a ponto de ser aterrorizante; eles não estavam vendo a face do monstro, mas em seu íntimo sabiam exatamente como era terrivelmente desfigurada. Cada fibra de seus corpos sabia.
O que eles não sabiam era que o próprio Cícero tinha projetado a imagem de sua face monstruosa em seus corações e mentes.
Apenas dois segundos se passaram desde que a garrafa saltou sobre os homens e a luz se apagou, os policiais em pânico dispararam a esmo várias vezes e gritaram como se crianças fossem. Eles foram rapidamente dominados.
Novamente Cícero, um dos predadores da noite, tinha cumprido seu papel, era assim há quase um século.
Alguns minutos depois aquele homem que carregava a marca do mal em sua alma saiu da residência pela porta da frente trazendo consigo o computador portátil debaixo do braço e dois ou três livros, chegando do lado de fora, na calçada, retirou do bolso uma chave com um dispositivo; apertou o pequeno botão e um dos carros estacionados respondeu com dois ruídos eletrônicos e com os faróis ascendendo e apagando rapidamente. Era um belo Citroën C5 preto parado bem a sua frente.
Gabriel sempre foi um fio solto, mas agora Cícero possuía todos os seus arquivos pessoais, iria reivindicar junto aos outros mais espaço para agir em Mesquita; O Invasor de mentes, como era chamado pelos outros imortais, agora teria mais força política.
O Citroën saiu sorrateiramente pela rua e dobrando pela esquina com seus faróis de um branco azulado varrendo tudo na sua frente, tomou seu caminho e sumiu em meio à noite.

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